Desde a Independência, a ocupação de terras na faixa de fronteira do Brasil é marcada por insegurança jurídica e desafios históricos. Mesmo com a Lei de Terras de 1850, promulgada por Dom Pedro II, a regularização dessas áreas permanece pendente. Em um novo capítulo dessa longa história, o Senado aprovou a prorrogação do prazo para regularização de imóveis nessas regiões e discute agora uma proposta que regulamenta os registros — mas não sem controvérsias.
A faixa de fronteira compreende uma extensão de até 150 quilômetros a partir dos limites entre o Brasil e países vizinhos. Pela sua localização estratégica, essas áreas são consideradas de interesse nacional, especialmente para a segurança e defesa do território.
No início de julho, os senadores aprovaram o Projeto de Lei 1.532/2025, de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), com texto substitutivo da senadora Tereza Cristina (PP-MS), estendendo até 2030 o prazo para a regularização de grandes imóveis rurais — acima de 2.500 hectares. A medida busca atender produtores rurais que aguardam a validação de registros desde a vigência da Lei 13.178/2015, cujo prazo atual expira em outubro.
Outra proposta em debate, o Projeto de Lei 4.497/2024, já aprovado na Câmara dos Deputados, estabelece as regras para a efetiva validação dessas propriedades. O texto, relatado pela deputada Caroline de Toni (PL-SC), tramita agora no Senado e será analisado separadamente pelas comissões de Relações Exteriores (CRE) e Agricultura (CRA).
Regras e flexibilizações
Entre os pontos principais do PL 4.497/2024 está o adiamento para 2028 da exigência de georreferenciamento, que delimita com precisão os limites das propriedades. A proposta também permite a regularização de áreas em terras indígenas ainda não homologadas, mesmo que estejam em processo de demarcação. Outra novidade é a possibilidade de regularização por meio de declaração do interessado, caso os órgãos responsáveis não forneçam certidões em até 15 dias.
Essas flexibilizações geraram críticas de senadores da base governista, que consideram o texto um risco para territórios indígenas e para a proteção ambiental. Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que o projeto “institucionaliza a grilagem” e ameaça direitos originários, ao permitir registros sobrepostos a terras com ocupação tradicional reconhecida por estudos ou portarias.
A visão dos ruralistas
Já a bancada ruralista defende que a proposta traz segurança jurídica aos produtores que ocupam legalmente essas áreas há décadas. A senadora Tereza Cristina destacou que a medida não cria novos títulos, mas apenas reconhece ocupações antigas, muitas delas oriundas de concessões do Império ou da União.
Segundo ela, a ausência de regras claras gerou confusão nos estados e dificultou a validação dos registros. Um levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) revelou que os critérios variam amplamente de estado para estado.
O senador Jaime Bagattoli (PL-RO) considerou a prorrogação uma solução paliativa, mas necessária. Ele defende que o verdadeiro avanço será uma regulamentação definitiva, que transfira a análise para os cartórios e reduza a sobrecarga do Incra.
Próximos passos
O governo já sinalizou que não vetará o PL 1.532/2025. No entanto, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), indicou que buscará ajustes no PL 4.497/2024, especialmente no que diz respeito ao georreferenciamento. A expectativa é votar a proposta até o fim do ano.
A discussão expõe o delicado equilíbrio entre regularização fundiária, direitos de povos originários e proteção ambiental. Enquanto ruralistas veem justiça histórica, ativistas e órgãos públicos alertam para riscos de retrocessos.
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