A pequena cidade litorânea de Piúma, no Espírito Santo, está oferecendo ao Brasil uma lição fundamental sobre os limites do poder executivo e a importância vital da separação dos poderes. O prefeito Paulo Cola (Cidadania) protagoniza um espetáculo de autoritarismo fiscal que deveria alarmar qualquer cidadão que preza pela democracia: ele quer autorização para usar 50% do orçamento municipal – mais de R$ 55 milhões – da forma que bem entender, sem qualquer consulta ao legislativo.
Esta não é uma questão meramente técnica sobre Lei de Diretrizes Orçamentárias. É sobre a essência do que significa viver em uma democracia. Cola está pedindo, literalmente, um cheque em branco para fazer o que quiser com o dinheiro do povo. É uma demonstração crua de como alguns políticos brasileiros ainda não compreenderam que ocupam cargos públicos para servir, não para se servir.
A audácia é ainda mais gritante quando consideramos o contexto: Piúma, com pouco mais de 22 mil habitantes, é um município onde crianças ficaram cinco meses sem aulas por falta de professores. Enquanto a educação desmorona, o prefeito briga por mais poder sobre o orçamento. É uma inversão perversa de prioridades que expõe a mentalidade patrimonialista que ainda contamina a política brasileira.
Seis vereadores contra o rolo compressor
Felizmente, a democracia ainda funciona em Piúma. Seis dos 11 vereadores estão resistindo bravamente a essa tentativa de concentração de poder, propondo limitar a flexibilização orçamentária a 5% e obrigar o prefeito a consultar a Câmara para gastos acima desse montante. É uma proposta sensata que qualquer democrata deveria apoiar.
Mas enfrentam a resistência do presidente da Câmara, Eliziel Dias (União Brasil), descrito como “aliado incondicional do prefeito”. Dias tem sistematicamente negado a votação de emendas que limitariam o poder de Cola, transformando o legislativo em um “puxadinho do executivo” – uma expressão que captura perfeitamente a degeneração democrática em curso.
A desinformação como arma política
O governo Cola não se contenta em concentrar poder; também recorre à desinformação para justificar seus atos. Espalha-se o boato de que o impasse pode paralisar setores do município e comprometer pagamentos de salários. É uma mentira deslavada. Os 50% do orçamento que Cola quer controlar sem prestação de contas não custeia folha de pagamento ou setores essenciais.
Essa tática de criar pânico para justificar medidas autoritárias é um manual conhecido de políticos que desprezam a transparência. É a mesma lógica perversa que transforma discussões orçamentárias legítimas em “ameaças à governabilidade”.
Melhor Câmara barulhenta que Legislativo silencioso
As tensões nas sessões da Câmara de Piúma não são um problema – são a democracia funcionando. Como bem observa o texto, “pior do que uma Câmara barulhenta é um legislativo silencioso e cúmplice de atos não republicanos”.
Os seis vereadores que resistem ao rolo compressor estão cumprindo seu papel constitucional de fiscalizar o executivo.
É preciso celebrar esses parlamentares que “abrem as cortinas dos escaninhos do poder” em vez de “varrer a sujeira para debaixo do tapete”. Eles representam o que há de melhor na política brasileira: a coragem de dizer não quando necessário.
Uma lição para o Brasil
Piúma oferece uma lição que transcende seus limites municipais. A frase “não existe prefeito ruim com legislativo bom” deveria estar gravada na entrada de toda Câmara Municipal do país. Quando prefeitos se comportam como Paulo Cola, é porque encontraram legislativos complacentes que abdicaram de seu papel fiscalizador.
O caso de Piúma demonstra que a democracia brasileira ainda tem anticorpos. Seis vereadores podem parecer pouco, mas representam a resistência necessária contra a tentação autoritária que ainda assombra a política nacional. Paulo Cola precisa entender que dinheiro público pertence ao povo “como o céu é do condor” – e que nenhum prefeito, por menor que seja sua cidade, está acima da lei ou da prestação de contas.
A democracia não se mede pelo tamanho da cidade, mas pela força de suas instituições. Em Piúma, felizmente, ainda há quem lembre disso.
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