Em uma pequena cidade do interior do Espírito Santo, uma história se repete com contornos cada vez mais dramáticos: enquanto uma empresária enriquece às custas dos cofres públicos, a população amarga a falta dos produtos que ela supostamente fornece. Este é o retrato de Presidente Kennedy, município do sul capixaba onde Cynthia Bicalho transformou-se de simples comerciante em próspera empresária milionária.
A trajetória meteórica de Bicalho não seguiu o roteiro clássico da inovação ou do empreendedorismo disruptivo. Ao contrário, ela percorreu um caminho já bem pavimentado por outros novos ricos brasileiros: a venda de produtos para prefeituras. Sua escolha recaiu sobre um setor particularmente sensível e lucrativo – o fornecimento de medicamentos para a rede pública municipal.
Levantamento realizado no Portal da Transparência revela que apenas em 2024, a empresa de Cynthia, a CB Bicalho Comércio Atacadista e Empreendimentos Ltda, faturou impressionantes R$ 2,353 milhões dos cofres da Prefeitura de Presidente Kennedy.
Em quatro anos estima-se que o montante chegue a mais de R$ 50 milhões, porque no período a empresa também vendeu kit escolar, material de construção e material para agricultura.
O sucesso nos negócios, contudo, não se baseou apenas na qualidade dos produtos ou competitividade de preços. Em Presidente Kennedy, como em muitos rincões do país, o que determina o acesso aos recursos públicos são as conexões políticas. E neste quesito, Bicalho demonstrou ser uma estrategista hábil.
A empresária não se limitou ao mundo dos negócios. Decidiu mergulhar de cabeça na política local, assumindo o comando do partido Republicanos no município e alinhando-se estrategicamente ao ex-prefeito Dorley Fontão (PSB). A parceria revelou-se extremamente lucrativa: além do faturamento disparar, sua empresa conseguiu expandir a clientela para outros municípios da região.
Mas há um paradoxo cruel nesta história de enriquecimento. Enquanto milhões de reais fluem dos cofres públicos para os negócios de Bicalho, teoricamente para garantir o abastecimento de medicamentos, a população de Presidente Kennedy convive com uma realidade diametralmente oposta: postos de saúde desabastecidos e necessidades básicas não atendidas.
As redes sociais e grupos de WhatsApp da cidade transformaram-se em verdadeiros “muros das lamentações” digitais. Diariamente, moradores relatam a falta de medicamentos essenciais como dipirona e fraldas geriátricas – produtos básicos que deveriam estar disponíveis em qualquer unidade de saúde minimamente estruturada.
O contraste entre a opulência privada e a miséria pública atingiu seu ápice no último fim de semana, quando Bicalho promoveu uma festa suntuosa para comemorar seu aniversário em Cachoeiro de Itapemirim. Ela sambou e festejou com todas as pompas.
Remédios básicos 📍 Empresária Cinthia Bicalho (Presidente Kennedy-ES) enriqueceu via contratos públicos, mas postos de saúde estão desabastecidos 🎉 Enquanto moradores sofrem sem dipirona, ela festejou aniversário com prefeito. 📺 Vídeo completo⬇️https://t.co/uC6cy50iRY pic.twitter.com/xux3maX7B2
— Roberto Barbosa (@rgbarbosa) July 29, 2025
O evento contou com a presença ilustre do prefeito interino Júnior de Gromobol (PSB) e sua esposa. Uma demonstração inequívoca de como os laços entre poder público e interesses privados se entrelaçam de forma promíscua.
A situação em Presidente Kennedy expõe uma das chagas mais profundas da administração pública brasileira: a captura do Estado por interesses particulares, conforme já vem demonstrando a série de reportagens do Diário da Guanabara, intitulada República dos Royalties.
Enquanto uma pequena elite política e seus protegidos celebram e enriquecem, a esmagadora maioria dos 13.320 mil habitantes do município vive em condições precárias, sem acesso aos serviços básicos que os impostos deveriam garantir.
Este caso ilustra como o sistema de contratações públicas, quando desprovido de transparência e controle social efetivo, pode se transformar em instrumento de perpetuação de desigualdades. A falta de medicamentos básicos em uma cidade que gasta milhões com seu fornecimento revela não apenas ineficiência administrativa, mas possivelmente esquemas mais profundos de desvio de recursos públicos.
Para os moradores de Presidente Kennedy, resta a amarga constatação de que vivem em uma cidade onde a classe dirigente trata a máquina pública como propriedade privada. Como bem observou um morador local, citando a passagem bíblica, há quem diga que “o visitante que se despede não deve olhar para trás, porque pode virar estátua de sal feito a mulher de Ló ao tentar escapar da destruição de Sodoma e Gomorra”.
A metáfora bíblica não poderia ser mais apropriada: para a classe política dirigente e seus protegidos, Presidente Kennedy é uma festa perpétua; para a esmagadora maioria de seus moradores, que vive em situação de pobreza e sem assistência básica adequada, representa uma tragédia cotidiana.
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