A cidade de Presidente Kennedy, no sul do Espírito Santo, está mergulhada numa crise financeira sem precedentes que contrasta drasticamente com sua posição como uma das mais ricas do país em PIB per capita. Os dados apresentados na audiência pública de avaliação das metas fiscais do primeiro semestre de 2025, realizada na Câmara Municipal nesta terça-feira (12), revelam um cenário alarmante: enquanto a receita arrecadada foi de R$ 216,5 milhões, as despesas empenhadas explodiram para R$ 761,7 milhões – um déficit orçamentário de R$ 545 milhões.
A situação se torna ainda mais crítica quando se considera que o orçamento aprovado para todo o ano de 2025 era de R$ 517 milhões, valor que já foi completamente ultrapassado apenas no primeiro semestre. Segundo a apresentação técnica, as projeções indicam que as despesas empenhadas para o ano inteiro podem superar os R$ 800 milhões, comprometendo gravemente a sustentabilidade fiscal do município.
Queima de royalties e queda na arrecadação
Os números expostos na apresentação das metas fiscais mostram que a principal fonte de recursos do município – os royalties de petróleo – teve uma queda significativa de 17,60%, passando de R$ 105,5 milhões no primeiro semestre de 2024 para R$ 86,9 milhões em 2025. Essa redução de R$ 18,6 milhões representa um impacto direto na capacidade de investimento e custeio da máquina pública.
Paradoxalmente, enquanto a receita total caiu 9,86% (de R$ 240,2 milhões para R$ 216,5 milhões), as despesas correntes dispararam 44,86%, saltando de R$ 424,1 milhões para R$ 614,3 milhões. O aumento mais preocupante ocorreu nas “Outras Despesas Correntes”, que cresceram 51,93%, passando de R$ 365,2 milhões para R$ 554,9 milhões.
Secretarias com gastos explosivos
A análise por órgãos revela distorções graves na alocação de recursos. A Secretaria de Obras e Habitação sozinha consumiu R$ 303,7 milhões em despesas empenhadas, representando quase 40% de todo o gasto municipal. A Secretaria de Educação aparece em segundo lugar com R$ 127,7 milhões, seguida pela de Serviços Públicos com R$ 88,3 milhões.
Esses números contrastam com os investimentos em áreas essenciais: enquanto a Educação recebeu 23,49% da receita de impostos e transferências (abaixo do mínimo constitucional de 25%), a Saúde aplicou apenas 12,39% (também abaixo do mínimo de 15%).
Admissão de erro e alertas técnicos
Durante a audiência pública, servidores do setor contábil da prefeitura assumiram publicamente que a situação é crítica e resultado de má gestão. “A gestão é responsabilidade do prefeito e dos secretários. Nós que somos técnicos alertamos que não se deve gastar mais do que arrecada”, afirmou Marilza Machado, funcionária do departamento de contabilidade ao responder a um questionamento durante a apresentação.
O vereador Tércio Jordão (Podemos) alertou para as consequências práticas da crise: servidores podem ficar sem o 13º salário, vale-refeição e bônus de final de ano. “Já falta remédio e já tem reclamações sobre merenda nas escolas”, denunciou o parlamentar durante a sessão.
A crise financeira ocorre em meio a um contexto político turbulento. Presidente Kennedy teve o resultado da última eleição municipal anulado. O ex-prefeito Dorley Fontão (PSB), que venceu o pleito, foi impedido de tomar posse por tentar disputar um terceiro mandato consecutivo, prática vedada pela legislação eleitoral.
Atualmente, o município é administrado pelo prefeito interino Júnior de Gomobol (PSB), presidente da Câmara de Vereadores, que assumiu a responsabilidade pela execução orçamentária que resultou no atual descontrole fiscal.
O vereador Tércio Jordão anunciou que formalizará denúncia ao Tribunal de Contas do Estado e defendeu a convocação do prefeito interino ao Legislativo para prestar esclarecimentos.
Série de denúncias de corrupção
A situação financeira crítica ganha ainda mais gravidade quando contextualizada com a série de reportagens publicadas pelo Diário da Guanabara sobre denúncias de corrupção e desvios de dinheiro público em Presidente Kennedy. A série investigativa, que já está no 10º capítulo, revela um padrão de irregularidades que pode estar diretamente relacionado ao atual colapso das contas municipais.
Os dados da dívida consolidada mostram outro aspecto preocupante: a disponibilidade de caixa líquida do município despencou de R$ 1,4 bilhão no primeiro semestre de 2024 para R$ 761,1 milhões em 2025 – uma redução de 45,6% ou R$ 637,7 milhões em apenas um ano.
Apesar de não possuir dívida consolidada formal, o município apresenta resultado primário negativo de R$ 325,9 milhões, quase o dobro do déficit registrado no mesmo período de 2024 (R$ 166,5 milhões). O resultado nominal também é preocupante: déficit de R$ 270,7 milhões em 2025, comparado aos R$ 94,3 milhões de 2024.
Consequências para a população
A crise fiscal já produz efeitos concretos na vida da população. Segundo relatos na audiência pública, há falta de medicamentos na rede de saúde e problemas com a merenda escolar. A situação pode se agravar nos próximos meses caso não sejam adotadas medidas urgentes de ajuste fiscal.
Com o 6º maior PIB per capita do Brasil, Presidente Kennedy deveria ser um exemplo de prosperidade municipal sustentada pelos recursos dos royalties de petróleo. No entanto, a má gestão transformou a abundância em escassez, criando um paradoxo que coloca em risco os serviços essenciais para os mais de 10 mil habitantes do município capixaba.
A apresentação das metas fiscais cumpre uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), mas os números expostos demonstram que o município está caminhando para uma situação de inviabilidade financeira se não adotar medidas drásticas de contenção de gastos e melhoria da arrecadação.
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