A luta de duas filhas indígenas por reencontrar o pai após mais de quatro décadas de separação forçada durante a ditadura militar brasileira é o enredo do documentário “Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá”, que estreia nesta quinta-feira (10) nos cinemas. Sueli e Maiza, da etnia Tikmũ’ũn, também conhecida como Maxakali, passaram mais de 40 anos sem notícias do pai, Luís, pertencente ao povo Guarani-Kaiowá, até que a tecnologia e a mobilização indígena possibilitaram o reencontro.
O longa retrata o impacto da política de deslocamento forçado de indígenas promovida pelo regime militar. Na época, muitos foram retirados de seus territórios tradicionais pela Funai e levados a outras regiões para realizar trabalhos forçados ou ocupar áreas estratégicas para o governo.
Luís foi retirado do território Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul e levado até a aldeia Maxakali, em Minas Gerais. Lá viveu por mais de 15 anos e teve duas filhas com Noêmia Maxakali. Pouco tempo após o nascimento da filha mais nova, ele foi novamente deslocado e nunca mais teve contato com a família. As filhas cresceram sem saber o paradeiro do pai.
Sueli Maxakali, que hoje é professora, cineasta, artesã e uma das principais lideranças indígenas de Minas Gerais, começou a buscar informações sobre o pai com o avanço do acesso à internet nas aldeias e durante encontros de povos indígenas. Pelo Facebook, ela e Maiza fizeram contato com primas Kaiowá e souberam que Luís estava vivo, morando próximo a Dourados (MS).
Com apoio dos antropólogos Tatiane Klein e Roberto Romero, iniciou-se uma troca de fotos e vídeos até que, em 2019, Sueli conseguiu falar com o pai por telefone pela primeira vez. A partir daí, nasceu a ideia do documentário. O reencontro, adiado pela pandemia de covid-19, finalmente aconteceu anos depois e foi registrado no filme.

O documentário também retrata o cotidiano e os rituais dos povos Maxakali e Kaiowá. A partida de Sueli e Maiza da Aldeia-Escola-Floresta para encontrar o pai foi marcada por um ritual tradicional envolvendo o espírito gavião Mõgmõka, enquanto em Mato Grosso do Sul havia expectativa pela chegada das parentes.
O filme denuncia os crimes cometidos contra os indígenas durante a ditadura, como o reformatório Krenak e a ocupação ilegal de terras Maxakali por fazendeiros apoiados pelo Estado. A resistência do povo Maxakali também é mostrada por meio do projeto Hãmhi | Terra Viva, que promove a recuperação de territórios com reflorestamento e cultivo de alimentos.
Segundo Romero, o projeto representa uma chance concreta de reparação histórica. A situação, no entanto, é grave. Crianças Maxakali entre 1 e 4 anos morrem até 30 vezes mais que a média das cidades vizinhas. A morte precoce dos anciãos compromete a preservação da cultura oral indígena, vista como verdadeira biblioteca viva.
Sueli Maxakali reforça a importância da memória e da cultura do seu povo. Ela destaca que hoje os Maxakali não têm mais medo de mostrar quem são. “Temos confiança, temos parceiros. Antes éramos forçados a apagar nossa memória. Hoje, levamos nosso conhecimento também para fora das aldeias”, afirmou.
Conforme dados do Censo 2022, o Brasil abriga mais de 300 etnias indígenas. Em Minas Gerais, vivem 19 dessas etnias. A população Maxakali é estimada em cerca de 2.600 pessoas, distribuídas em cinco aldeias no Vale do Mucuri, região que também figura entre as que mais aqueceram no país nos últimos anos.
*Da Agência Fonte Exclusiva. Compartilhe esta reportagem do Giro Capixaba, o melhor site de notícias do Estado Espírito Santo.
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