O Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) sobre a Cracolândia lançou, na noite desta sexta-feira (27), no plenário da Câmara Municipal de São Paulo, seu relatório final após meses de escutas públicas e visitas de campo realizadas entre 2023 e 2024. O documento apresenta um diagnóstico inédito da região e propõe diretrizes baseadas na experiência de quem vive, trabalha ou atua diretamente no território.
O GTI foi conduzido pelo deputado estadual Eduardo Suplicy e pela vereadora Luna Zarattini, ambos do PT. De acordo com a antropóloga Amanda Amparo, uma das coordenadoras do relatório e assessora de Suplicy, o documento é resultado da maior articulação já feita para tratar da questão da Cracolândia, reunindo poder público, sociedade civil, pesquisadores, parlamentares e pessoas diretamente afetadas pelas políticas locais.
“O relatório é absolutamente inovador, uma ferramenta potente para atuação consistente que possa realmente apontar soluções concretas”, destacou Amanda em entrevista à Agência Brasil.
Violência e internações forçadas
O relatório documenta sete reuniões oficiais do GTI, realizadas na Alesp e na Câmara, além de trazer críticas às estratégias adotadas pelos governos estadual e municipal. O promotor Arthur Pinto Filho, do Ministério Público de São Paulo, que acompanha a situação da Cracolândia desde 2012, afirmou que a região vive seu pior momento: “Estão criando um inferno em vida, com violência da GCM e internações forçadas como as de 2012”.
Segundo o promotor, internações breves — entre 15 e 20 dias — não resolvem o problema do uso abusivo de drogas. Ele elogiou o relatório, afirmando que “aponta um caminho civilizatório” para lidar com a crise.
Racismo estrutural como fator determinante
Um dos pontos centrais do relatório é o reconhecimento do racismo estrutural como eixo determinante para a conformação histórica da cena de uso da Cracolândia. “A maioria das pessoas ali são negras. O racismo está presente tanto nas experiências de vida quanto na relação com a cidade e com o fluxo”, afirmou Amanda Amparo.
O relatório recomenda que todas as políticas públicas voltadas à região incorporem o combate ao racismo como eixo transversal, especialmente nas áreas de saúde, assistência, moradia, segurança e justiça.
Dispersão e caos urbano
A dispersão da cena de uso, provocada por ações da prefeitura e do estado, é apontada como agravante do problema. “Eles conseguiram espalhar o fluxo, mas onde estão essas pessoas? Em que condições? Isso está impactando negativamente a cidade como um todo”, questiona Amanda.
O promotor Arthur Filho também critica a falta de estrutura básica: “Não há banheiros, nem acesso à água potável. E agora estão fechando os poucos espaços de acolhimento, como o Teatro de Contêiner Mungunzá.”
Recomendações e proposta de política transversal
O relatório propõe uma política transversal, que considere moradia, saúde, alimentação e educação como partes fundamentais do tratamento. Também defende uma abordagem baseada na redução de danos, alternativa às políticas de internação forçada.
“Mesmo que a pessoa não pare completamente o uso da substância, ela pode se reorganizar socialmente e não se colocar em risco. Essa abordagem é mais eficaz e respeitosa”, explicou Amanda.
O relatório também questiona a eficácia do Programa Redenção, da prefeitura de São Paulo, criticando seu foco em internações e comunidades terapêuticas sem resultados concretos.
Conclusão
O documento final do GTI representa um marco no debate sobre políticas públicas para a Cracolândia, com propostas baseadas em evidências, experiência de campo e participação popular. Agora, os olhos se voltam para as autoridades municipais e estaduais: vão acolher as recomendações ou repetir os mesmos erros?
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