Na Vila dos Pescadores de Ajuruteua, no município de Bragança, no nordeste do Pará, o abecedário tem cheiro de maré e som de caranguejo. Dentro de um galpão de palafita, sustentado por troncos para resistir às águas, crianças e adolescentes aprendem a ler e escrever associando letras a elementos do seu cotidiano: “R” de rancho, “O” de ostra, “Z” de zangão, e “M” de mangue — o ecossistema que sustenta suas famílias.
Essa abordagem integra o AlfaMangue, atividade de reforço escolar do projeto Mangues da Amazônia, voltada à alfabetização com base na realidade local e nos saberes tradicionais. “Eles aprendem a partir do espaço deles, com jogos, desenhos e fala. O mangue vira sala de aula e inspiração”, explica a professora alfabetizadora Pâmela Gonsalves.

Na comunidade, sem escola própria, as crianças enfrentam dificuldades para frequentar a Vila do Bonifácio, onde estudam oficialmente. A maré, que impede o acesso pela ponte, resulta em faltas frequentes e atraso na aprendizagem. O AlfaMangue preenche essa lacuna, atendendo 25 crianças em Ajuruteua e outras dezenas nos municípios de Tracuateua, Augusto Corrêa e Viseu.
O impacto é visível. Hévelly Fernandes, de 8 anos, sonha em ser pilota de avião. “Eu aprendi coisas que nem sabia que existiam”, conta, enquanto mostra seu caderno com desenhos de peixes. Sua mãe, Rutelene Sousa, comemora: “Hoje ela pega uma cartilha e sabe ler. Isso muda tudo”. A transformação foi tanta que Rutelene voltou a estudar à noite, na EJA, e agora cursa o ensino médio.

O projeto Mangues da Amazônia, patrocinado pela Petrobras, vai além da alfabetização. Com ações de reflorestamento, educação ambiental e protagonismo comunitário, chega a mais de 1,6 mil crianças na região e envolve 5,6 mil pessoas diretamente. Líderes locais, como Edite Ribeiro da Silva, 61 anos, também são prova viva dessa mudança: “A gente tem que estudar para entender e lutar pelo que é nosso”.
Entre raízes de mangue que viram bancos e livros que nascem do chão encharcado, o saber floresce onde antes só havia defasagem. Na beira do rio, a educação cresce junto com a maré.
Com informação da Agência Brasil.Compartilhe esta reportagem do Giro Capixaba, o melhor site de notícias do Estado do Espírito Santo.
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