Trinta e cinco anos após a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Brasil ainda enfrenta desafios para garantir, na prática, os direitos previstos pela lei. Um dos principais entraves é o direito das crianças de participarem das decisões que impactam suas vidas — uma garantia que, embora reconhecida, ainda está longe de ser plenamente implementada.
Essa é a avaliação da pesquisadora Zsuzsanna Rutai, referência internacional em empoderamento e salvaguarda infantil. Em visita ao Brasil, ela concedeu entrevista exclusiva à Agência Brasil e chamou atenção para um cenário que não é exclusivo do país: a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ratificada por 196 países desde 1990, também não tem sido aplicada de forma plena em diversas partes do mundo.
“Mesmo onde há iniciativas de participação infantil, elas não chegam a todos os níveis: da família às políticas públicas e decisões internacionais”, afirma Zsuzsanna, que atua na organização Child Rights Connect, articuladora do Comitê dos Direitos da Criança da ONU.
A pesquisadora avalia que a pouca escuta ativa das crianças é um sinal claro dessa falha sistêmica. “Quando crianças se erguem em defesa de seus direitos ou dos direitos humanos em geral, elas não são levadas a sério. Sua presença e voz são constantemente questionadas”, lamenta.
Repressão e exclusão sutil
Zsuzsanna aponta que a repressão a crianças ativistas nem sempre é explícita, e muitas vezes se manifesta de maneira sutil. “Elas podem, por exemplo, receber avaliações escolares injustas ou serem tratadas com desdém por professores que não concordam com seu engajamento”, observa.
A especialista também atuou na Divisão de Direitos da Criança do Conselho da Europa, apoiando o Comitê de Lanzarote, que protege crianças contra abuso sexual. Essa experiência reforça sua convicção de que transformar os espaços de educação é fundamental para a valorização da infância e o fortalecimento da democracia.
Currículo internacional para crianças ativistas
Como resposta prática a esse desafio, Zsuzsanna está à frente da elaboração de um currículo de formação não formal para crianças defensoras de direitos humanos, em parceria com o Instituto Alana, do Brasil. A proposta integra o projeto-piloto Agora e o Futuro, que será implementado inicialmente no Brasil, Togo, Moldávia e Tailândia.
O currículo será construído com base em oficinas, rodas de conversa e atividades interativas — nada de aulas tradicionais ou materiais obrigatórios. “Queremos um aprendizado baseado em experiências práticas, que ajude as crianças a conhecer seus direitos e a defender seus interesses de forma segura e significativa”, explica.
Os primeiros encontros estão sendo realizados em São Paulo, com participação de crianças e especialistas. A ideia é que o material final seja oferecido aos países signatários da Convenção da ONU como uma ferramenta de transformação dos sistemas de proteção à infância.
Educação para transformar o futuro
Para Zsuzsanna Rutai, garantir o direito à participação é essencial para construir sociedades mais justas, solidárias e sustentáveis:
“Se quisermos deixar um legado verdadeiro, precisamos formar gerações bem-educadas, empáticas e confiantes — que respeitem os direitos humanos, a democracia e o meio ambiente.”
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