Três décadas após a primeira edição de Cidade Partida, de Zuenir Ventura, a expressão que marcou o Brasil dos anos 1990 segue atual – e, segundo especialistas, mais urgente do que nunca. A nova obra Cidade Partida 30 anos depois reúne pensadores de diferentes áreas para avaliar os avanços, retrocessos e os desafios cada vez mais complexos de uma cidade ainda dividida por um profundo abismo social.
Lançado após as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, o livro original tornou-se referência no debate sobre a desigualdade urbana no Rio de Janeiro. A nova publicação traz sete artigos, sete entrevistas com personagens da edição original, uma conversa inédita com Zuenir Ventura e outra com o fotógrafo João Roberto Ripper, criador da Escola de Fotógrafos Populares, na Maré.

Segurança pública é “maior fissura”
Para a cientista social Silvia Ramos, que assina o artigo Violência Policial: onde a cidade é mais partida, a questão da segurança pública é hoje a mais grave expressão da desigualdade no Rio. Coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), ela afirma que “a cidade está dominada por facções, milícias e por uma polícia com alto grau de corrupção”. E denuncia:
“O confronto é exclusivo nas favelas. É o único lugar onde se pode atirar e matar impunemente.”
Silvia também critica a falta de inteligência nas ações de segurança e a continuidade de práticas violentas. Para ela, “os comandos do crime não estão nas comunidades, mas o combate continua sendo direcionado a elas”.
Por outro lado, ela reconhece avanços importantes da sociedade civil, como o surgimento de dezenas de coletivos e a atuação cada vez mais ativa de lideranças negras nas pautas sociais.
Chacinas banalizadas e tráfico mais violento
Mauro Ventura, jornalista e filho de Zuenir, é um dos organizadores da nova edição. Ele aponta que a situação se agravou em três décadas. “A desigualdade continua indecente e o território dominado pelo crime se expandiu”, diz. Para ele, a guerra às drogas fracassou e o poder bélico das facções e da polícia cresceu:
“Os massacres se tornaram banais. E as ações do Estado continuam apostando em pirotecnia, não em inteligência.”
Ventura observa também uma nova realidade nas favelas: a ascensão de traficantes evangélicos, como o caso do “Complexo de Israel”, em Vigário Geral, onde há intolerância contra religiões de matriz africana.
Cidade multipartida e falta de pontes
O ativista Itamar Silva, morador do Morro Santa Marta e autor do artigo Para Reler a Cidade Partida, acredita que o Rio está hoje “esfacelado e multipartido”.
“As diferenças estão tão escancaradas que já batem na porta de todos. Falta construir pontes para que a cidade se torne, de fato, maravilhosa”, afirma.
Ele também aponta a ausência de políticas públicas estruturantes e contínuas. Segundo o livro, a maioria das ações voltadas às favelas nas últimas três décadas foram paliativas e não resolveram os problemas essenciais.
Movimentos negros e novos protagonistas
Apesar do cenário crítico, os autores destacam um ponto positivo: a explosão de movimentos, coletivos e iniciativas surgidas nas favelas. Hoje, há uma geração de pesquisadores, artistas, comunicadores e líderes comunitários vindos da periferia, que têm ocupado espaços importantes na sociedade civil e na produção de conhecimento.
Para Mauro Ventura, essa transformação é uma das maiores conquistas desde a publicação da obra original:
“Há instituições sérias que nasceram nas favelas e ajudam a suprir as muitas lacunas deixadas pelo Estado.”
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