A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, no Senado Federal, concluiu que o setor de apostas esportivas e jogos on-line no Brasil está profundamente associado a crimes como lavagem de dinheiro, evasão fiscal, organização criminosa e manipulação algorítmica. O relatório final, com 541 páginas, foi apresentado nesta terça-feira (10) pela relatora da comissão, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).
Além dos crimes, o relatório denuncia que o avanço das apostas está afetando diretamente a economia real, sobretudo das famílias mais pobres, que redirecionam renda essencial para as bets, em detrimento do consumo básico e da poupança.
Mercado bilionário e sem controle
A estimativa é que as bets tenham movimentado entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões em 2024. Para efeito de comparação, o orçamento previsto do Ministério da Educação (MEC) para 2025 é de R$ 187,2 bilhões.
Desde 2018, o setor teve um crescimento de 1.300%, o que, segundo a relatora, faz das apostas “o melhor negócio do Brasil hoje”, apesar dos danos à sociedade.
Manipulação e algoritmos ocultos
O relatório destaca como os chamados jogos 100% virtuais – como “tigrinho”, “cobrinha” e “ratinho” – são ainda mais perigosos por não terem qualquer auditoria ou aleatoriedade real, permitindo manipulação completa dos resultados por software. Soraya recomenda a proibição total desse tipo de jogo.
“São algoritmos não auditáveis, estruturados para gerar perdas, sem qualquer transparência”, afirma a relatora.
Lavagem de dinheiro e empresas de fachada
Segundo a CPI, há indícios fortes de que organizações criminosas têm usado as bets para lavar dinheiro, abrindo empresas de fachada – muitas delas no exterior – e explorando brechas regulatórias para dificultar a rastreabilidade dos valores.
“Foi constatada uma engenharia complexa para burlar o sistema e lavar dinheiro em larga escala”, diz o relatório.
Impacto social: fome, dívidas e vício
O relatório também expõe o efeito devastador das apostas sobre a população mais vulnerável. Dados revelam que cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas em 2024, o que prejudicou diretamente sua subsistência.
Levantamentos de entidades como o Banco Central, a SBVC e o Instituto Locomotiva mostram que:
- 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas;
- 19% abriram mão de alimentos e remédios;
- 52% redirecionaram para as bets o dinheiro que ia para poupança;
- 43% cortaram gastos com cultura e lazer.
Influenciadores no alvo
O documento propõe o indiciamento de 16 pessoas e empresas, incluindo as influenciadoras Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, por supostos crimes como lavagem de dinheiro, estelionato, sonegação fiscal e corrupção.
A CPI também pede regulação severa da publicidade das bets, com restrição total à propaganda voltada a menores de 18 anos e proibição de anúncios que associem apostas a solução de problemas financeiros ou sucesso profissional.
“A propaganda de apostas tem sido irresponsável, atingindo até crianças. Influenciadores fazem parte ativa desse processo, muitos deles sócios das plataformas”, denunciou Soraya.
Propostas e recomendações
Entre as principais recomendações da CPI, estão:
- Criação da Plataforma Nacional de Auditoria e Monitoramento de Jogos de Azar (PNAMJA);
- Cadastro nacional de jogadores;
- Limitação de publicidade, com regras rígidas de veiculação;
- Proibição dos jogos 100% virtuais, como o “tigrinho”;
- Responsabilização de influenciadores que promovem apostas ilegais;
- Fortalecimento da fiscalização por Banco Central e Receita Federal;
- Propostas legislativas para consolidar a regulação do setor.
Breve histórico
As bets foram legalizadas pela Lei 13.690/2018, no governo de Michel Temer, mas só passaram a ser regulamentadas em 2023. Desde então, plataformas têm operado com liberdade quase total – muitas sem sede no Brasil, sem fiscalização e sem pagar impostos.
“Essas empresas sugaram bilhões do povo brasileiro, sem deixar nenhum legado, apenas dívidas, vício e destruição econômica”, conclui o relatório.
A votação final do relatório foi adiada por pedido de vista coletiva e deve ser retomada em breve no Senado.
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