O desenvolvimento do cinema indígena e sua interface com o audiovisual produzido por não indígenas foram temas centrais dos debates no 26º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), que aconteceu na Cidade de Goiás no último domingo (16). Reconhecido como o maior evento audiovisual com temática ambiental da América Latina, o Fica reuniu cineastas indígenas e não indígenas para refletir sobre o amadurecimento do cinema produzido por povos tradicionais.
Presente no festival, o premiado cineasta Takumã Kuikuro, natural do Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, destacou duas principais formas de fazer cinema nas aldeias: a documentação do conhecimento oral para preservação e a criação de narrativas próprias traduzidas para o português, que possam ser compreendidas por quem não é indígena. “Temos que superar a narrativa etnográfica como única linguagem sobre indígenas no cinema. É preciso explorar a linguagem cinematográfica para contar nossas próprias histórias, criar nossos personagens, e fazer, por exemplo, mais filmes de ficção”, defende Takumã.

Com premiações em importantes festivais nacionais e internacionais, Takumã é também pioneiro ao se tornar, em 2019, o primeiro jurado indígena do Festival de Cinema Brasileiro de Brasília. No Fica 2025, ele colaborou na seleção das obras competitivas e percebe um avanço significativo na produção audiovisual indígena, embora ainda haja desafios para ocupar os espaços de reconhecimento.
Vincent Carelli, cineasta e indigenista, e criador do projeto Vídeo nas Aldeias – que forma cineastas indígenas desde os anos 1980 –, pontua as diferenças fundamentais no cinema feito por indígenas e por não indígenas. “Esse acesso com intimidade, com a língua, com o conhecimento e convivência da cultura é um grande diferencial, tanto para quem filma quanto para quem é filmado”, afirma Carelli, que também integra o júri oficial do festival.
Apesar das colaborações crescentes entre indígenas e não indígenas, tensões e desigualdades persistem. Carelli observa que muitos indígenas já tiveram experiências negativas com a imprensa e pesquisadores, devido à falta de simetria nos relacionamentos. No entanto, destaca a nova geração de cineastas indígenas que assume o protagonismo como diretores e assinantes de suas obras, enfrentando preconceitos para ocupar espaços tradicionais do audiovisual.
Kléber Xukuru, cineasta e diretor da Ororubá Filmes, reforça essa resistência: “O audiovisual é uma ferramenta que temos visto como uma porta de luta”.
Um exemplo emblemático desse olhar indígena é o filme Minha Terra Estrangeira, que estreou com sucesso no festival É Tudo Verdade e foi o principal convidado do Fica este ano. O longa acompanha o cacique Almir Suruí, candidato a deputado federal por Rondônia, e sua filha Txai Suruí, jovem ativista ambiental, nos 40 dias que antecederam as eleições de 2022. A narrativa, fruto da colaboração entre o coletivo indígena Lakapoy, a cineasta Louise Botkay e o diretor João Moreira Salles, mostra dois olhares complementares e levanta uma reflexão sobre o papel do olhar externo no cinema indígena.
Entre as novidades do Fica 2025 está a criação do Fórum Indígena e de Povos Tradicionais, com o objetivo de ampliar os saberes das comunidades e fortalecer a produção audiovisual feita por seus integrantes. Além disso, o festival conta com mostras exclusivas para obras de realizadores indígenas, criando janelas específicas para que suas vozes sejam ouvidas e reconhecidas.
Pedro Novaes, diretor de programação do Fica, afirma: “É uma janela específica para esses realizadores, sem prejuízo de que eles estejam nas outras mostras também, como sempre estiveram e continuarão estando”.
*Com informação da Agência Brasil.Compartilhe esta reportagem do Giro Capixaba, o melhor site de notícias do Estado do Espírito Santo.
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